A educação pública, como direito de todos e dever do Estado e da família, representa uma das maiores conquistas da humanidade, constituindo-se em um dos pilares em que se erige o Estado Democrático de Direito e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da qual o Brasil é signatário.
A Constituição Federal de 1988, além de dedicar capítulo próprio à educação, a elevou como o primeiro direito social (art. 6º) que compete ao Estado garantir ao povo brasileiro.
E para que a educação possa cumprir os seus três objetivos nucleares: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, o art. 206 da Carta Magna fixou os princípios que a regem, dentre os quais se destacam, para os fins deste manifesto, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola (inciso I), a valorização dos profissionais da educação escolar, com a garantia de plano de carreira e contratação exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas (inciso V), a gestão democrática do ensino público (inciso VI) e o piso salarial profissional nacional para os profissionais das escolas públicas (inciso VIII).
Esses princípios, como se extrai de sua própria literalidade, somente podem se efetivar por meio do Poder Público, sem intermediários, respeitando os atores escolares definidos na Constituição.
Assim sendo, a militarização das escolas – que constitui além de limitação aos princípios constitucionais do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, verdadeiro desvio de função do poder de polícia definido na CF, e dos próprios policiais cedidos às escolas –, e a transferência da gestão escolar para a iniciativa privada, não importando se esta possui ou não fins econômicos, significam graves violações dos princípios sob destaque, e, por conseguinte, atenta contra o Estado Democrático de Direito.
Alheio a todos os princípios constitucionais em comento, em especial ao pluralismo político – fundamento da República Federativa do Brasil, à luz do art. 1°, inciso V, da CF –, e ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas – princípios inafastáveis, consoante o art. 206, inciso III, da CF –, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão apartada da concepção estritamente estatal e democrática em que se organiza a educação pública, decidiu por abrir indiscriminadamente os recursos públicos da educação básica e a gestão administrativa e pedagógica das escolas a entidades privadas da sociedade civil. Compete, agora, à sociedade organizada lutar contra essa decisão privatista, nas ruas, até porque ela extrapola os limites impostos pela Constituição Federal para repassar verbas públicas para a iniciativa privada, previstos no art. 213, § 1º da CF.
Em decorrência da decisão do STF, e sob o frágil e insustentável argumento de que a contratação de OS garantirá a excelência na educação pública, inúmeros governos, em especial do Estado de Goiás, tenta impor a transferência da gestão de escolas públicas para entidades privadas, muitas delas sem idoneidade, experiência ou capacidade em gestão pública.
Dentre os desvios mais flagrantes de estados e municípios para substituir a gestão pública educacional pelas OSs – e também pela Polícia Militar – está a afronta ao princípio do concurso público de provas e títulos para admissão na carreira da educação, o qual se pauta em outros princípios garantidores do republicanismo no trato da coisa pública, a saber: os princípios da publicidade, da impessoalidade, da transparência e da eficiência. Pela Lei das OSs, os futuros professores e funcionários deixam de ser servidores públicos e passam a ser empregados sob o Regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem direito à estabilidade, ao piso salarial e a planos de carreira.
Com relação à gestão, os/as diretores/as, onde existe eleição direta nas escolas, continuarão a ser eleitos, porém com poderes limitados, já que a palavra final sobre quaisquer assuntos escolares caberá aos dirigentes das OSs ou aos militares “gestores” das escolas. Daí a conclusão de que a eleição de diretor (civil e pedagógico) será pró-forma, com o único objetivo de cumprir exigência legal para os fins de repasses financeiros pela União, a exemplo do
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), não havendo qualquer sintonia ou compromisso com o princípio constitucional da gestão democrática (art. 206, inciso VI, da CF).
Ante tudo isto, as entidades signatárias deste Manifesto, reunidas em Brasília nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2016, ao reafirmarem o seu inarredável compromisso com a construção da cidadania, que tem na escola pública, em seu sentido constitucional, sem subterfúgios, um de seus pilares, sentem-se no imperioso dever democrático de repudiar, de forma integral e inconciliável, as atitudes nefastas dos governos de entregarem a gestão pública das escolas para Organizações Sociais de direito privado ou à Polícia Militar, ao tempo em que conclamam a todos os que defendem o Estado Democrático de Direito, para que façam o mesmo e se juntem na luta contra esses verdadeiros, e por que não dizer, crimes de lesa-pátria à cidadania do povo brasileiro.
Com relação ao Estado de Goiás, onde as trágicas experiêncas das OSs e da militarização estão em estado avançado, devemos lembrar que ele foi palco de inesquecíveis atos democráticos, como a realização da IV Conferência
Brasileira de Educação, realizada em Goiânia, em 1986, onde se aprovou a “Carta de Goiânia”, verdadeira pedra fundamental do que viria a se constituir o arcabouço do Capítulo da Educação na CF– discutido e aprovado na
Assembleia Nacional Constituinte, de 1987 e 1988. E não podemos deixar que esse Estado, pelo simbolismo da luta pelo direito à educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada, para todos e todas, seja o “coveiro” dessa trajetória de conquistas sociais para o Brasil.
Conselho Nacional de Entidades da CNTE