Novamente o serviço público paraense é surpreendido com tomadas de decisão por parte do Governo Helder que impactam na vida dos/as servidores/as, sem que o debate tenha sido estabelecido, e sem possibilidade de intervenção dos/as principais atingidos/as pelas medidas, a exemplo do que ocorreu no apagar das luzes de 2019, quando Helder apresentou o aumento da contribuição do IGEPREV de 11% para 14%, tendo a postura submissa e caudatária do Presidente da ALEPA – Daniel Santos que chegou a fechar aquela “Casa do Povo”, mobilizando um esquema de segurança digno de combate ao terrorismo.
Ressalte-se aqui que com o aumento da alíquota do IGEPREV, sem a garantia do reajuste geral do serviço público, que em grande parte está com salários congelados há pelo menos dois anos, houve uma diminuição de nossa remuneração, isso sem contar com o aumento inflacionário no período.
Agora, em plena crise da pandemia da Covid-19, com boa parte do serviço público limitada em seu deslocamento, ou mesmo em isolamento, Helder encaminha ao poder legislativo um Projeto de Lei (PL) que visa a facilitação da demissão de servidores/as públicos/as, mesmo já havendo punições previstas na legislação vigente.
O PL n.º 28/2020, encaminhado pelo Governo do Estado à ALEPA em 21 de fevereiro de 2020, propõe a alteração do Regime Jurídico Único (RJU) Estadual, Lei n.º 5.810/1994, para introduzir o procedimento sumário de apuração de faltas graves praticáveis por servidores públicos, mediante Processo Administrativo Disciplinar Simplificado (PADS), notadamente no que se refere às seguintes condutas faltosas: 1) Acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicos; 2) Abandono de cargo público e; 3) Inassiduidade habitual.
O PL também regula o novo procedimento para celebração de Termo de Ajustamento Disciplinar (TAD) aplicável em faltas funcionais leves que não acarretem danos à Administração Pública, como um dos resultados possíveis da Sindicância, sobre os quais nos debruçaremos noutra oportunidade.
Segundo a justificativa apresentada pelo Governo do Estado, a introdução desses novos mecanismos visa simplificar e agilizar os procedimentos administrativos apuratórios.
Diante desses elementos passamos a tecer algumas considerações acerca dos principais pontos do PL n.º 28/2020 envolvendo a criação do procedimento sumário na Administração Pública Estadual, especificamente no que se refere a acumulação ilegal de cargos públicos, correlacionando-as com a categoria da educação.
Em primeiro lugar é importante esclarecer que o procedimento sumário para apuração das hipóteses acima aventadas foi instituído no RJU Federal, Lei n.º 8.112/1990, pela Lei n.º 9.527/1997, e encontra-se atualmente em vigor na esfera federal.
Outro destaque que se faz necessário é rememorar que o Tribunal de Contas dos Municípios, a partir de 2017, cruzou informações sobre as jornadas de trabalho dos servidores em acúmulo de cargos dos entes estadual e municipais do Pará. Em decorrência, teve início uma verdadeira “caça às bruxas” no serviço público. Nesse contexto, o Governo Simão Jatene editou o Decreto n.º 1.950, de 28 de dezembro de 2017, sob o pretexto de uniformizar as rotinas de apuração das situações de possível acumulação ilegal de cargos públicos na Administração Pública Estadual.
Contudo, referida norma pecava por vários vícios. Primeiro porque impunha um limite inconstitucional de jornadas acumuláveis em 60 horas semanais, sem levar em conta as especificidades de cada caso concreto. Sobre o tema o Supremo Tribunal Federal (STF) possui reiterada jurisprudência. Segundo, porque criava um rito procedimental apuratório sem qualquer base legal, desrespeitando a máxima da Administração de que a ela só incumbe fazer o que a lei lhe impõe.
Após prolongadas discussões entre SINTEPP, SEDUC e PGE as exigências de limite máximo de jornada foram mitigadas e o decreto perdeu sua eficácia no tocante aos servidores da educação.
Atendo-se ao objeto de nossas considerações, inicialmente, os órgãos ou entidades estaduais devem proceder a análise imediata se o servidor acumula cargos ilegalmente, ou seja, se a acumulação não está de acordo como as hipóteses previstas no art. 37, XVI, da Constituição, quais sejam: 1) dois cargos de professor; 2) um cargo de professor com outro técnico ou científico; 3) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Cabe ainda destacar que o procedimento apuratório não recai apenas sobre se a acumulação de cargos está em desacordo as hipóteses acima ventiladas, mas também sobre se há incompatibilidade de horários, ou seja, ainda que acumuláveis os cargos, a Administração aferirá se não há sobreposição de horários considerando as jornadas cumpridas pelo servidor em ambos os cargos.
Ou seja, havendo indícios de que a acumulação de cargos, empregos ou funções públicas seja ilícita, seja pela natureza dos cargos, seja pela incompatibilidade de horários, o servidor será comunicado pessoalmente por sua chefia imediata, no caso, o diretor da escola em que está lotado, para optar por um dos cargos, empregos ou funções em acúmulo ilegal, no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, contados da data do recebimento da notificação.
Importante que a Lei Estadual n.º 8.972/2020 fixa a contagem dos prazos administrativos em dias úteis.
Decorrido esse prazo, e uma vez realizada a opção, o servidor deverá comprová-la no prazo de 15 dias, cuja contagem se inicia imediatamente após o decurso do decênio. Ou seja, em até 10 dias o servidor deverá optar por um dos cargos e em até 15 dias deverá comprovar documentalmente o desligamento de um dos vínculos.
Registre-se que o prazo de 15 dias para comprovação do desligamento poderá ser prorrogado por igual período e uma única vez, a critério da Administração Pública e mediante pedido motivado do interessado.
Por outro lado, uma vez não demonstrada a opção do servidor, será instaurado o PADS, sob o rito sumário, com vistas a apuração e regularização da acumulação ilegal perante o órgão em que o servidor é lotado, o qual deverá ser concluído em até 45 dias, incluída eventual prorrogação. No caso da educação, o PADS será instaurado pela Ouvidoria da SEDUC.
Uma das principais características do PADS é a chamada instrução sumária, calçada no pressuposto da celeridade processual, ou seja, a juntada das provas de que dispõe a Administração sobre a possível acumulação ilícita de cargos públicos, a indiciação e a citação do servidor, a sua defesa e o relatório conclusivo da comissão processante devem ser feitos em prazos extremamente exíguos. A título de exemplo, é de cinco dias tanto o prazo para apresentação de defesa pelo servidor quanto o prazo para elaboração do relatório da comissão processante. No PAD comum o prazo para defesa é de 10 dias.
O PL ainda faculta ao servidor o direito de optar por um dos cargos sobre os quais recai a acusação de acúmulo ilegal até o último dia do prazo para apresentação de sua defesa, que é de cinco dias contados de sua citação no PADS. Tal escolha, sob a ótica do PL, afastaria possível má-fé na conduta do servidor e seria automaticamente convertida em pedido de exoneração do cargo indicado pelo optante, se na esfera estadual.
Se ambos os cargos forem na esfera estadual, o servidor poderá optar por um deles até o último dia do prazo para sua defesa. Porém, se o outro for na esfera municipal, por exemplo, o PL não prevê a possibilidade de o servidor comprovar o seu desligamento deste cargo até o prazo de defesa mesmo que o venha a fazê-lo. Nesta hipótese, o PL lhe faculta tão somente o direito de optar pelo seu desligamento do cargo estadual dentro do prazo de que dispõe para defesa.
Não sendo feita essa opção, o processo prosseguirá até o seu julgamento, e uma vez caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé do servidor, ser-lhe-á aplicada a pena de demissão, destituição de cargo comissionado ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicos em regime de acumulação, hipótese na qual deverão ser comunicados os órgãos ou entidades de vinculação.
Importante destacar que as penalidades abrangem ambos os cargos, se na esfera estadual. Se o outro cargo for na esfera municipal, por exemplo, o órgão de lotação do servidor será comunicado acerca da aplicação da penalidade na esfera estadual.
Embora o PL não contenha qualquer menção, uma vez decretada a má-fé no acúmulo ilegal de cargos públicos, o servidor poderá ficar obrigado a devolver ao erário estadual os valores equivalentes aos salários percebidos durante a acumulação ilícita. O uso da expressão “má-fé” não está posto ali sem um propósito específico.
O ressarcimento dos danos ao erário deverá ser apurado em procedimento específico regulado pela Lei Estadual n.º 8.972/2020 e será conduzido no âmbito da PGE, por iniciativa do órgão de lotação do servidor.
A presunção da má-fé é passível de ser questionada judicialmente, ainda mais quando considerada no contexto de um procedimento célere como é o sumário, em que a coleta de provas fica mitigada em prol da objetividade da conduta objeto de investigação. A má-fé é conduta permeada pela subjetividade, ainda mais quando analisada dentro do contexto da incompatibilidade de horários, e deve estar comprovada dentro do contexto probatório e ser devidamente valorada pela autoridade julgadora.
O PL n.º 28/2020 na ALEPA, aliado a tantos outros PLs enviados pelo Governo Helder Barbalho que retiram direitos dos servidores estaduais, tanto os aprovados quanto os que aguardam deliberação da Casa de Leis, demonstram muito flagrantemente quais são os reais intentos deste Governo no que se refere ao funcionalismo público.